Em uma época de grande efervescência musical, um tema de animê fez sucesso a ponto de se tornar uma canção cult por décadas, tendo vida própria.
A década de 1980 viveu uma explosão do mercado fonográfico japonês e lá, assim como no resto do mundo, houve uma intensa movimentação das gravadoras lançando muitos novos artistas. Além disso, o animê Macross (de 1982) havia detonado o segundo fenômeno de popularidade dos desenhos animados, conhecido como Anime Boom, com um elemento adicional. Além da ação de robôs, naves espaciais e um romance de fundo, a música pop passava a ser um elemento de destaque no conjunto de cada obra. E isso foi crescendo cada vez mais.
A canção de maior impacto de Macross, a "Ai~Oboeteimasu ka?" ("Você se lembra do amor?", do longa de 1984) levou o pop mais juvenil e romântico para o mundo dos animês. A canção que embalou o público tinha tudo a ver com a história e era parte indissociável do título. O que não importava muito para os empresários, interessados nas parcerias comerciais entre produtoras de animação e gravadoras.
Os desenhos seriam apenas vitrines para as gravadoras lançarem artistas e promoverem canções, seja quais forem. Isso existe até hoje, com músicas que pouco ou nada têm a ver com o desenho ou série em questão. E muitas canções fizeram enorme sucesso tocando principalmente em aberturas e encerramentos de séries animadas.
E no meio de toda essa agitação do mercado, vários nomes da música pop se envolveram com o animê City Hunter, um dos mais famosos títulos da segunda metade da década de 1980.
Criação de Tsukasa Hojo, City Hunter foi um mangá de enorme sucesso da revista para garotos Shonen Jump (Editora Shueisha), com 35 volumes compilados originalmente entre 1985 e 1991. A série, que conta as aventuras do detetive particular (e mulherengo) Ryo Saeba e sua parceira Kaori Makimura, fez parte de um período áureo da publicação, que também teve, na mesma época, Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco e vários outros sucessos.
City Hunter foi adaptado em quatro séries de animê para TV, além de aventuras especiais para TV, cinema e vídeo, todas feitas pela Sunrise, a mesma produtora de Gundam e Cowboy Bebop. A obra também teve uma versão live-action para cinema com Jackie Chan em 1993 e uma outra, como série de TV, na Coréia do Sul em 2011. É um título de primeira linha, cheio de personagens carismáticos, ação, humor (malicioso e bem politicamente incorreto), romance e drama.
O mangá ainda ganhou uma continuação cheia de elementos trágicos e bem mais pesada, intitulada Angel Heart, entre 2001 e 2010, que conquistou um bom sucesso. Mas em termos comerciais, City Hunter permanece o maior êxito comercial do autor Tsukasa Hojo, e a popularidade do título se estendeu às paradas musicais logo em sua estreia na TV, em 1987.
A primeira abertura, "City Hunter ~ Ai wo kieanaide" ("Não deixe o amor ir embora"), com Kahoru Kohiruimaki, fez sucesso e chegou à oitava posição da parada de sucessos da empresa Oricon, mas o tema de encerramento é que entraria pra História. Era a canção "Get Wild", da banda TM Network, uma das mais importantes na consolidação do pop eletrônico no Japão, em suas vertentes technopop e citypop, por seu apelo à vida urbana e seu som eletrônico rico em melodias.
O TMN surgiu em 1984 e foi um grupo que se consagrou misturando várias vertentes de rock com o emergente techno-pop, uma combinação que estava conquistando vários países. O "TM" do nome era alusivo à região de onde os três vieram, Tama (distrito de Tokyo), mas também significava "Time Machine". A banda era formada por Takashi Utsunomiya (voz e vocais, violão, baixo), Tetsuya Komuro (teclados, guitarra, violão, bateria e vocais) e Naoto Kine (guitarra, violão, teclados, baixo, harmonica e vocais).
Os três eram compositores, Komuro e Kine assinavam os arranjos e eventualmente outros músicos ajudavam em algumas criações. Uma dessas colaborações se tornou o primeiro grande sucesso da banda.
Com letra de Mitsuko Komuro e melodia de Tetsuya Komuro (sem parentesco entre eles), "Get Wild" foi lançada em 8 de abril de 1987, sendo o 10ºsingle do TMN. Nesse caso, letra e música tinham tudo a ver com o clima ousado, aventureiro e descolado da série. A canção também era bem dançante e seu ritmo conquistou um público amplo, que não assistia ao animê. O tema chegou ao nono lugar da parada semanal de singles da Oricon e em sexto na medição da The Best 10, vendendo mais de 220.000 cópias rapidamente. Parte do álbum Gift for Fanks, foi um dos maiores sucessos da banda.
Na época, o termo J-pop ainda não fora criado, e as músicas juvenis ainda eram chamadas de "kayoukyoku" (de "música popular"). Mas com o advento de batidas eletrônicas, termos como "new music" e "pops" começaram a ser usados, até que nos anos 1990, veio a definição J-pop, pra diferenciar a música jovem japonesa do pop de outros países. Consequentemente, muita coisa feita nos anos 80 foi sendo considerada como J-Pop de forma retroativa, ainda que de uma fase de transição em termos de estética e mercado.
Na década de 1990, que foi ainda mais efervescente no mercado musical, Tetsuya Komuro se tornou o maior nome da indústria de entretenimento de seu país, compondo e produzindo para alguns dos maiores astros da época.
TK, como também é conhecido, lançou sucessos gravados por nomes como Namie Amuro, trf, Tomomi Kahala, hitomi, Ryoko Shinohara e também liderando sua própria banda, o globe, fundada em 1995. Além disso, o TMN se mantém em atividade até hoje, apesar de alguns hiatos.
Um desses hiatos foi provocado por um evento traumático: a prisão de seu mais ilustre integrante.
Nascido em 1958 e um dos músicos e compositores mais bem-sucedidos do Japão, Tetsuya Komuro chegou a ser preso em 2008. Foi acusado de fraude na venda de direitos de suas músicas a um investidor. Pressionado, confessou o crime, segundo ele motivado pela necessidade de levantar uma alta soma para pagar a pensão de sua ex-esposa.
Livre da cadeia após cerca de seis meses, conseguiu renegociar sua dívida e se livrar de complicações. Caso raro dentro da rigorosa mídia japonesa, TK conseguiu retomar a carreira sem grandes sequelas e reativou sua carreira de compositor, produtor e músico de suas bandas globe e TM Network. O público logo voltou a recebê-lo de braços abertos.
Em abril de 2017, saiu no Japão um álbum quádruplo reunindo dezenas de versões e remixes de seu primeiro grande hit, por músicos e DJs renomados. Com 36 faixas, GET WILD SONG MAFIA é o reflexo de um trabalho que ficou marcado para uma grande parcela do público japonês.
O álbum chegou ao quarto lugar da parada semanal e em primeiro na parada diária da Oricon entre os álbuns mais vendidos, fazendo do revival do velho sucesso um fenômeno de vendas, afinal o álbum consiste em quatro CDs com variações de uma mesma canção. Uma versão "resumida" chamada GET WILD 30th Anniversary Collection - avex Edition foi lançada em maio pela gravadora avex trax.
Presente em coletâneas tanto da trilha de City Hunter quanto do TMN, "Get Wild" permanece como uma das melhores e mais bem sucedidas parcerias entre as indústria da música pop e do animê.
::: VÍDEOS SELECIONADOS :::
1) "Get Wild" ~ Tema de encerramento de City Hunter
Letra: Mitsuko Komuro / Melodia e arranjo: Tetsuya Komuro
Intérprete: TM Network
2) "Get Wild" - TM Network (2022)
- Envelhecidos, mas ainda cheios de carisma, mostraram uma longa e sofisticada versão de seu maior sucesso, durante a turnê How Do You Crash It?.
3) "Get Wild" - globe:
- Em 1995, Tetsuya Komuro tornou-se integrante, compositor e produtor do grupo globe (escrito assim mesmo, em letras minúsculas), que ele formou com Keiko (voz e vocais) e Marc Panther (rap, vocais, DJ). Em 2010, o globe revisitou o clássico tema de City Hunter, que sempre empolgou as plateias japonesas.
4) "Get Wild" - Acacia Orchesta:
- Um registro ao vivo e cheio de balanço com o toque jazzístico da Acacia Orchesta, banda do circuito alternativo japonês. Formada pelos talentos de Misaki Fujiwara (vocais), Hirofumi Nishimura (piano), Masaru Sano (baixo) e Keisuke Kitagawa (bateria), a Acacia Orchesta ainda merece sua chance de mostrar ao grande público sua energia e habilidade musical. A versão deles, registrada em 2016, é excepcional.
5) "Get Wild" ~ Song Mafia - Vídeo promocional do álbum comemorativo, com 36 versões da canção:
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