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Ale Nagado

Sobre influenciadores e a busca por um bom conteúdo

Montar um canal, podcast, site ou blog de cultura pop é fácil. Difícil é se destacar e conquistar credibilidade entre tantos influenciadores vazios.

Uma quantidade quase infinita gerou escassez de qualidade.

Criadores de conteúdo ou influenciadores digitais são, geralmente, pessoas que produzem videos e podcasts ou escrevem para sites e blogs. Com a democratização da informação e o fim do monopólio da imprensa que a internet acarretou, profissionais e amadores se misturam perante o público. Conteúdo bom e conteúdo ruim (produzidos tanto por amadores quanto por maus profissionais) são consumidos igualmente, e separar o que tem valor e o que em nada acrescenta (ou pior, informa errado) se tornou cada vez mais difícil.


Na área de cultura pop e entretenimento, ou no campo nerd, geek e otaku, um número incontável de fãs passou a produzir conteúdo, com resultados irregulares. Grosso modo, o conteúdo do universo nerd/geek/otaku carece tanto de base cultural quanto de opiniões embasadas, mas isso vem de uma percepção limitada do que se entende por "criação de conteúdo" envolvendo entretenimento. Qualquer peça de entretenimento ou cultura pop, seja um filme, HQ, jogo, série ou animação, é sempre um produto de um momento histórico no qual está inserido. O mais escapista e inocente dos produtos culturais permite, nas entrelinhas, uma leitura sobre posicionamentos e visões de mundo de seus criadores e produtores.


Não se trata aqui de evocar o jargão bitolado dos que dizem que "tudo é política", ou que tudo é uma "ação política". A questão é reconhecer que todo produto cultural é resultado de uma realidade formada por acontecimentos históricos, mais contexto social e situação política, mesmo que aparentemente nada disso esteja no foco narrativo. Muitos grandes autores japoneses, ao longo do tempo, sempre trabalharam com subtexto político e social, mas sem que isso fosse um discurso panfletário e maniqueísta, na maioria das vezes.


Porém, a maioria esmagadora dos criadores de conteúdo nerd, geek e otaku ignora tudo isso, pois desconhece muita coisa que fica fora do seu campo de interesse em diversão. Só ouve trilhas sonoras, só assiste seu nicho favorito, só tem um tipo de leitura (mangá, super heróis...) e tem uma conexão bem limitada com a realidade, sendo praticamente um NPC, ou "non-playable character", termo emprestado dos games para definir figurantes sem utilidade prática). Ou então vai pelo lado oposto e só se interessa por política e passa a encarnar o estereótipo militante do woke lacrador ou do nerdola conservador anti-lacração. Essa polarização por si só já é tóxica e destruiu a civilidade das pessoas, mas o problema vai além disso.

Seu lacradoooor!!!! Seu nerdolaaaa!!!

Ficar reagindo a trailers, boatos e declarações é ser apenas uma linha de apoio, tal qual uma assessoria de comunicação gratuita para o produtor. Por outro lado, ficar apontando lacração e comemorando quando essa lacração vai mal comercialmente, é outro comportamento feito com interesse em cliques e engajamento que, na prática, nada acrescenta além de reações emocionadas. Ser apenas reativo e sensacionalista não faz de ninguém um criador de conteúdo de fato.


Quem consegue ter o apelo comercial dentro de um hype e também trazer conteúdos alternativos (fora do radar do mainstream) para temperar seu canal ou site, esse sim está fazendo algo para fomentar mais conhecimento e divulgar obras e autores que merecem ser mais divulgados. Não ficar preso ao eterno presente, mas trazer obras do passado e dar chance a quem é alternativo e batalha para divulgar seu trabalho é também muito importante, pois aumenta o leque de escolhas do público. Mas esses criadores que sabem equilibrar conteúdos variados representam uma minoria e toda hora surgem mais e mais canais pobres e irrelevantes, requentando um conteúdo de Wikipedia ou parasitando o trabalho alheio. Canais que usam ChatGPT, IA e afins para fazer pesquisas, montar conteúdo e gerar locuções merecem o esquecimento, pois estão colaborando com uma visão tecnocrática que visa, não o progresso, mas a padronização e obsolescência do próprio ser humano. Como exemplo de uso horroroso de IA, achei um canal totalmente artificial sobre tokusatsu em que a locução sintetizada, ao invés de falar "tokussatsu" (que é a pronúncia correta), fala "toku-zatsú". Constrangedor, para dizer o mínimo. Fazer canal sem aparecer é, para alguns, sinônimo de tentar faturar alguma coisa sem trabalhar muito, uma ideia meramente oportunista fomentada por gente que vende cursos em cima de sua imagem de riqueza. Por outro lado, gente que acha que criar conteúdo é só abrir a câmera e sair batendo papo sem rumo também não ajuda a criar qualidade. O amadorismo só se justifica em fases iniciais. Não é questão de ser pretensioso, mas de zelar pelo próprio trabalho e valorizar o tempo que alguém gasta assistindo, ouvindo ou lendo seu conteúdo.


Divulgar tudo o que sai dentro de seu nicho e só dar opiniões favoráveis para "fortalecer o movimento" também tem peso intelectual zero, pois não estimula o senso crítico. E há criadores que defendem que, se você não gosta de algo, deve-se calar para não "ofender" outros fãs. E eu nem gosto da palavra "", que remete a "fanatismo", algo que é prejudicial do ponto de vista emocional e intelectual. Claro que existem fãs mais equilibrados e fãs mais exagerados, mas há anos tenho evitado essa palavra. Há coisas que gosto muito, de Beatles a Ultraman, passando por Yamato e rock BR, mas não me considero fã de coisa alguma.

Nesta era em que a influência onipresente da mídia e o poder coercitivo do Estado trabalham em conjunto para padronizar comportamentos e visões de mundo, é abjeto que até no entretenimento exista gente defendendo, não a censura, mas uma visão adestrada para o senso comum e para a mediocridade. Essa busca por aceitação não pode se tornar uma castração mental, ainda mais quando seu trabalho depende da interação com outras pessoas, como é o caso dos podcasters e suas entrevistas.

Leitura é fundamental para um BOM criador de conteúdo. Esqueça ChatGPT e busque conhecimento.

Recentemente, fui entrevistado pelo canal Geek Cultural. O apresentador não apenas conhecia bem meu trabalho, como também sabia de detalhes que eu nem lembrava. Estudou o assunto, tinha uma visão de conjunto e soube conduzir a conversa, agindo como um jornalista sério, sem perder de vista a empolgação pelo trabalho. Por outro lado, já fui entrevistado por gente que perguntou que trabalho eu fazia na revista Herói, provando que não lia minhas matérias, apenas soube que eu fiz parte da famosa revista e era alguém acessível para trazer e dar alguma audiência. Minha vontade era dizer "Ah, eu grampeava as revistas, e levava nas bancas para vender." Fazer a "lição de casa" sobre um entrevistado é o mínimo, senão sempre acaba-se naquela jogada preguiçosa de pedir para o convidado se apresentar e sair batendo papo aleatoriamente.


Existem também muitos criadores, especialmente aqueles vindos do meio acadêmico que, entre uma carteirada e outra ("sou formado nisso, tenho mestrado e doutorado naquilo..."), usam seu espaço e credibilidade para promover suas ideologias, gerando conteúdos enviesados, desonestos.


Porém, só enxerga esses problemas quem possui bagagem cultural e vai além das camadas mais superficiais de uma obra, e tenta enxergar além do limitado senso comum, que sempre tende ao que é medíocre, mediano. Uma visão mais abrangente e com espírito crítico é o que se esperaria de um adulto, mas a maioria parece apenas querer curtir as coisas com a mesma expectativa e intensidade de quando era uma criança ou adolescente. Para o público, ok, mas um criador de conteúdo deveria buscar algo mais.

Estudar, pesquisar e planejar: não existem fórmulas mágicas.

Finalmente, existem sim os criadores de conteúdo pop que são estudiosos dos assuntos que abraçaram. Não citarei nomes para não correr o risco de esquecer alguém, mas os veículos com quem faço parceria já passaram pelo meu crivo.


O público, afinal, vai ser fisgado se sentir empatia com o influenciador, se tiver uma conexão emocional ou se ficar impressionado com a retórica apresentada. E isso chega a desanimar, pois a maioria das pessoas não tem sequer a capacidade cognitiva de identificar um conteúdo ruim, enviesado ou sem uma pesquisa séria. Mesmo que o único intuito da pessoa ao criar conteúdo seja desestressar e se divertir um pouco, ainda assim é preciso encarar com alguma seriedade a pesquisa, pois seu conteúdo será consumido por gente que lhe dará crédito.

O criador de conteúdo de cultura pop precisa conhecer muito além da cultura pop. Se alguém que fala sobre quadrinhos só lê quadrinhos, não poderá entender ou identificar outras referências que formaram os roteiristas das histórias que consome. O grande roteirista e escritor japonês Kazuo Koike, por exemplo, dizia que um bom autor de mangá precisava ler filosofia. E quem vai analisar quadrinhos, deve ao menos saber pesquisar as referências de seus autores favoritos.


De modo quase infantil, um criador de conteúdo sobre tokusatsu que só se interessa por tokusatsu (ou animê, HQ, o que for), não vai pegar nem metade das referências culturais envolvidas, especialmente as históricas, em tantas e tantas produções que assiste. E, portanto, não vai aproveitar metade do que o produto cultural que tanto ama tem a oferecer. Não vai entender citações, homenagens, contexto ou referências, ficando sempre restrito a falar sobre o que é de seu gosto pessoal ao analisar uma obra. Apenas contar o que assistiu e soltar algumas curiosidades já é algo por demais repetitivo. Pior ainda, vai analisar obras como se o mundo tivesse começado quando ele próprio nasceu. Já vi criadores de conteúdo atribuírem pioneirismo a obras de animê que foram apenas as primeiras que ele conheceu e adorou, mas que nem de longe eram pioneiras de fato em alguma coisa.


Finalmente, a conclusão óbvia é que a maioria dos criadores de conteúdo de cultura pop carece de algo que deveria preceder o entretenimento, que é a cultura. Produzir conteúdo relevante é cansativo, mas a busca pela qualidade exige dedicação, muito estudo e o aprimoramento do senso crítico e busca pela verdade.



Leia também:


::: E X T R A :::

Falando em produção de conteúdo, relembro aqui um vídeo do Canal Túnel do Tempo TV, onde contei sobre as fontes da revista Herói e meu trabalho de pesquisa antes da internet. Se isso inspirar alguém, já valeu a pena.



 

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