O que os criadores dos Policiais do Espaço, Gundam, Super Sentai e PreCure têm em comum?
Nos créditos de seriados japoneses como Jaspion, Sharivan, Changeman, Flashman, Jiraiya, Winspector e muitos outros, aparece como criador o nome de Saburo Yatsude. Autor de dezenas de super-heróis de sucesso, alguns podem estranhar como ele nunca aparece, nunca dá entrevistas e nunca foi fotografado. A resposta é simples: ele não existe. Saburo Yatsude - algumas vezes grafado como Saburo Hatte - é o pseudônimo coletivo do estúdio Toei Company, usado para dar um "toque pessoal” a criações coletivas e corporativas. Na década de 1970, era basicamente o pseudônimo do produtor Toru Hirayama (1929~2013), responsável por grande impulso criativo no estúdio. Mas depois, passou a ser o nome de autor para qualquer produção tokusatsu da Toei, com exceção dos Kamen Riders, que são creditados ao autor de mangás Shotaro Ishinomori (1938~1998). Mesmo décadas após sua morte, seu nome ainda aparece como criador de cada Kamen Rider que aparece, mesmo que em quase nada se assemelhe aos heróis criados pelo reverenciado autor de mangá. Grosso modo, seriados do mundo do tokusatsu são produções que, comercialmente, sobrevivem como vitrine para produtos. Nesse aspecto, são os empresários de licenciamento de brinquedos e colecionáveis que ditam muitos rumos das produções. Se o herói vai ter moto, veículo, espada, armadura, se vai ter formas variantes, acessórios, robôs gigantes, quantos inimigos, monstros, etc.
Equacionando tudo isso e tentando organizar seu trabalho, que é fazer com que a série divirta e consiga audiência, entram os produtores para coordenar o trabalho dos roteiristas, diretores e toda a equipe criativa que vai formatar a obra. E muitos produtores chegam com a ideia original, que será desenvolvida pelos colaboradores do estúdio.
Tendo que conviver com todos os ganchos de marketing, entra o trabalho dos roteiristas. É a eles em geral que cabe a missão de fazer a série dar certo, criar empatia dos personagens com o público e fazer a trama fluir, incorporando as exigências dos patrocinadores sem perder de vista que a série deve entreter seu público. As equipes das séries são rotativas e vários criadores participam, mas geralmente um ou outro nome acaba tendo o trabalho mais centralizado na concepção e planejamento da série, como Shozo Uehara (1937~2020) em Jaspion ou Toshiki Inoue em Jetman. Em alguns casos, o roteirista praticamente cria e estrutura sozinho toda a série, mas ele nunca irá deter, no caso da Toei, algum crédito como criador. Até porque os visuais serão criados por desenhistas especializados, muitas vezes ligados a fábricas de brinquedos.
Uma ficha de produção fiel e justa poderia tirar o nome Saburo Yatsude e creditar Gavan, Sharivan, Shaider, Jaspion e Spielvan como tendo sido criados por Susumu Yoshikawa (1935~2020), que veio com os conceitos gerais e planejamento, mais Shozo Uehara (roteiro, desenvolvimento de personagens e planejamento) e Katsushi Murakami (design das armaduras e máquinas). Yoshikawa também idealizou e produziu muitas outras séries, coordenando diferentes equipes criativas em Battle Fever J, Goggle V, Metalder, Jiraiya, Kakuranger e várias outras produções. Nesse caso e em muitos outros, a figura do produtor é o que existe de mais próximo de ser um criador de uma série.
Já na Toei Animation, o nome Izumi Toudou é creditado para a criação da franquia Pretty Cure, ou simplesmente PreCure, conhecida no ocidente como Glitter Force. Para as séries dessa franquia, os rumos criativos foram ditados por diferentes produtores, tendo começado com Takashi Washio, que foi sucedido por Atsutoshi Umezawa e assim por diante. Cada um traz um toque pessoal, mas sem perder a essência da obra original, Futari wa Pretty Cure, de 2004.
O nome Izumi Toudou (ou Todo) começou a ser usado em outra franquia de meninas mágicas, a Magical DoReMi, que começou em 1999. O nome também foi usado nos créditos de Shinzô (Mushrambo), Pipo Papo Patrol-kun, Ashita no Nadia e Marvel Disk Wars: The Avengers, entre outras obras. Mas nem sempre os créditos dão nome, real ou fictício, a um criador único a assumir a autoria da obra. No caso da franquia Ultraman, não é apresentado nenhum nome específico para a criação de nenhuma série, cuja criação é sempre creditada ao estúdio, de forma corporativa. Eiji Tsuburaya (1901~1970), veterano dos efeitos especiais, supervisionou a criação de Ultra Q, Ultraman e Ultra Seven na década de 1960, dando sugestões, aprovando e direcionando aspectos gerais das histórias e visuais. Mas é importante frisar que ele não criou exatamente nenhum personagem da franquia, que é sempre apresentada como um conjunto de personagens corporativos da Tsuburaya Pro.
Assim, no caso dos Ultras, não há um pseudônimo ou nome de fantasia para assumir a criação, que é sempre coletiva, com um ou mais produtores coordenando e cada colaborador sendo reconhecido por sua contribuição, mas sem reter direitos autorais ou de propriedade intelectual. Na prática, isso não difere muito em relação ao que outros estúdios fazem com obras que partem de projetos de um produtor e não são adaptações de outra mídia, como o mangá.
Outro caso de autor fictício como Saburo Yatsude é o de Hajime Yatate, o pseudônimo do estúdio Sunrise (anteriormente, Nippon Sunrise), que produziu clássicos como a saga Gundam e Cowboy Bebop.
A Sunrise, que também realizou adaptações de mangás famosos como Inu-Yasha (de Rumiko Takahashi) e City Hunter (de Tsukasa Hojo), tem em sua extensa filmografia criações corporativas, como Samurai Warriors, Escaflowne e os já citados Gundam e Cowboy Bebop. Vale lembrar que tanto a Sunrise quanto a Toei Company são submetidas à poderosa Bandai, gigante do entretenimento e maior fabricante de brinquedos e miniaturas ligadas às séries.
Mesmo que os direitos comerciais pertençam à Sunrise, do ponto de vista autoral, no entanto, sempre foi dado o devido crédito a Yoshiyuki Tomino por ter idealizado os conceitos do Gundam original (e várias sequências), além de Ideon, Xabungle, Dunbine, L-Gaim e muitos outros animês com robôs gigantes, sua especialidade. Ainda na Sunrise, também já foi dado publicamente o crédito intelectual ao diretor e roteirista Shinichiro Watanabe pela criação de Cowboy Bebop. Isso, até hoje, a Toei Company jamais fez por nenhum de seus autores contratados.
- Alexandre Nagado
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