Um pequeno desabafo de alguém que já foi um grande entusiasta de tokusatsu, mas que perdeu conexão com as produções atuais.

Com raras exceções, não tenho mais paciência para acompanhar as séries tokusatsu atuais. Essa posição não é algo recente para mim, e penso que não teria como ser diferente.
Essas séries não são feitas para mim, um adulto na faixa de 50 anos, e nem dialogam com a criança que eu fui no passado. Já tentei ver várias séries mais recentes, e não adianta virem falar para "abrir a cabeça" e insistir até gostar, pois existem outras formas de entretenimento que me atraem, como literatura, música e quadrinhos. Meu tempo é escasso, que sentido faz "me obrigar" a ver alguma coisa? Nunca vivi só de cultura pop para nerd/otaku, e continuo assim. Mas, voltando ao tokusatsu...
Assistir uma série feita para crianças de 5 anos e ficar emocionado com mensagens positivas que um adulto de meia-idade ainda precisa ouvir para se sentir pertencendo a um fandom, não é algo que me incentive a ver algo. Vibrar só pelas lutas de super-heróis, e de quebra, ficar ansioso com o lançamento dos brinquedos e action figures? Nada disso me motiva, pois eu só tenho figuras de personagens que gosto, e não tenho nada contra adultos de 30, 40 ou 50 anos (ou mais) que colecionam brinquedos, pois eu mesmo tenho vários bonecos. Conheço caras incríveis que cultivam o colecionismo de brinquedos de modo sadio, sendo adultos de fato, e não pessoas infantilizadas como muitos podem achar. Mas não consigo me imaginar comprando algo relacionado a uma série que eu tenha achado podre, só para ter na coleção.
O tokusatsu atual tem coisas que me incomodam um pouco, mas não se pode apontar apenas um ou dois fatores, pois é como se eu não reconhecesse mais a forma (visual e narrativa) e nem o conteúdo apresentado, em relação ao que capturou minha atenção nos anos 70 e 80. Como exemplo, posso citar os atores atuais e suas caretas e expressão corporal de animê (para as situações serem bem entendidas por crianças), heróis emasculados e sem testosterona (para dizer o mínimo) e uma falta de paciência com o estilo musical idol que se tornou meio padrão nos temas de abertura.
Os fãs das produções atuais podem dizer que os tempos mudam, e o tokusatsu está sempre em evolução para estar em sintonia com as mudanças estéticas e sociais. Ok, mas ninguém é obrigado a estar sempre sintonizado com a moda ou a seguir a maioria, seja em um nicho, seja em algo mais abrangente. Se algo não agrada, não adianta ficar discutindo e insistindo, é só não assistir. É o que eu tenho feito. Produções do Universo Ultra eu sempre acabo dando uma olhada, mas não tenho a mesma conexão de antes. A última grande série Ultra, para mim, foi Ultraman Z em 2020. Decker (2022) e Blazar (23) foram bacanas, mas só isso.
Desde os anos 90, perdi interesse em Super Sentai, e também não me empolguei com nenhum Kamen Rider moderno, apesar de ter gostado de alguns episódios avulsos e só ficava acompanhando mesmo os Ultras, fora alguns especiais de cinema da Toei Company.
Ainda adoro tokusatsu, mas não me sinto obrigado a acompanhar séries atuais como se fosse um fã devoto do gênero. Prefiro descobrir obras antigas que ainda não havia assistido do que estar sempre no hype do momento (e sou assim com tudo). A excelente série de filmes "Shin" de Hideaki Anno e o monumental Godzilla Minus One (2023) foram pontos fora da curva dentro do tokusatsu atual, pois foram feitos para dialogar com adultos até mesmo fora do nicho.
Por outro lado, o animê tem coisas muito mais interessantes e abrangentes em tempos recentes, como Demon Slayer, SPY x FAMILY, Frieren e Sakamoto Days, ou os filmes de Makoto Shinkai.
O universo de produções em animê é dezenas de vezes maior que o de tokusatsu, traz histórias mais variadas e criativas, com mais maturidade na abordagem, na forma e no conteúdo, além de uma estética mais arrojada, que não necessariamente precisa estar atrelada a projetos de brinquedos multicoloridos. Há muito material dialogando com públicos bastante diversos entre si. Isso não é questão somente de gosto, mas uma percepção sobre a realidade dessas produções.
O tokusatsu deixou, há muito tempo, de ser um gênero distinto que abrigava diferentes tipos de histórias e formatos. Ficou restrito a super-herois e refém da produção de brinquedos, pois não se sustenta como produto de entretenimento em si, o que já acontece com muitos títulos de animê.
Antigamente, os produtores e criadores de séries pensavam no tipo de história gostariam de apresentar, e aí o departamento de marketing vinha com ideias de produtos para capitalizar a série. Desde os anos 80, os produtos (armaduras, naves, armas) vêm em primeiro lugar, e tomam muito tempo de tela, obrigando soluções rápidas de roteiro, tudo muito corrido.
Hoje, as séries tokusatsu são como doramas (novelas) envolvendo super-heróis, com muita correria, ação, efeitos em CGI (que viraram uma muleta até em cenas de combate) e histórias intrincadas e herméticas (cheias de subtramas e reviravoltas, o que não significa necessariamente um roteiro bom), quase sempre restritas a franquias bem estabelecidas e formulaicas. São obras pensadas para vender brinquedos para crianças e que possuem um fandom adulto já acostumado a gostar de tudo o que sai de suas franquias favoritas, e que é bastante consumista. Em geral, vai tentar consumir intensa e apaixonadamente tudo o que sair. Será que não há diversão fora do que é empurrado pela novidade do momento dentro de cada nicho? Claro que existe, basta procurar ao invés de se contentar com tudo o que lhe é empurrado.
Finalizando, quero deixar claro que não estou atacando o fandom, não tem indireta para ninguém, não estou querendo polemizar, muito menos menosprezar a diversão de ninguém. São apenas percepções bastante pessoais sobre as obras modernas em geral, algo que funciona para mim. Nada disso faz sentido para você? É só deixar o texto de lado. Ou pode pensar um pouco e ver se faz algum sentido e aproveitar a parte que lhe acrescenta algo. Falta de conexão com algo não deve ser confundida com ignorância, preconceito ou desprezo.
Ao invés de artigos criticando cada aspecto que não me agrada, o desinteresse é tanto que apenas deixei de ver produções recentes. E tentei várias... Também sinto falta de séries mais descompromissadas, com episódios autocontidos, que é o velho formato omnibus. No fim, este artigo é apenas um desabafo de alguém que tem estudado o tema tokusatsu há mais de 30 anos, tem ligação histórica com o tema no Brasil, e que gosta do gênero desde criança, quando nem fazia ideia de que os seriados que tanto amava faziam parte de um gênero de entretenimento. E que está convicto de que atualmente há coisa muito mais interessante para seu gosto pessoal sendo produzida no Japão atual, fora desse universo que já representou (para mim) muito mais que simples nostalgia.
Veja também:
Histórias fechadas x Grandes sagas (Sobre as diferenças entre omnibus e grandes arcos e sagas.)
Minha nostalgia é melhor que a sua! (Percepções sobre saudosismo e qualidades reais.)
Passado, presente em futuro do tokusatsu:
Live realizada em fevereiro de 2024, com o convidado especial Ricardo Cruz.
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