Com sua trajetória associada a ícones mundiais como Godzilla e Ultraman, Eiji Tsuburaya é um dos nomes mais importantes da cultura pop japonesa.
O primeiro grande mestre de efeitos especiais no Japão foi Eiji Tsuburaya, um gênio criativo que tem seu nome ligado a Godzilla e Ultraman, dois símbolos do tokusatsu, termo que define os filmes e seriados de efeitos especiais no Japão. Ele é um dos grandes responsáveis pelo aparecimento de uma indústria de produções de ficção científica e fantasia no Japão e da associação do tokusatsu a monstros e super-heróis gigantes. Sem ele, a TV e o cinema no Japão não teriam sido os mesmos.
Nascido em 7 de julho de 1901 como Eiichi Tsumuraya na região de Fukushima, no Japão, Tsuburaya ficou órfão ainda criança, tendo crescido fascinado por aviação e aeromodelismo.
Enquanto cursava o equivalente ao Ensino Médio, desenvolveu interesse por fotografia e, aos 18 anos, começou a trabalhar como assistente de filmagem na Nippon Katsudou Shashin Kabushiki-kaisha, de Kyoto, depois conhecida como Nikkatsu.
Na primeira metade da década de 1920, trabalhou nos estúdios Shochiku, Ogasawara Productions e Kinegasa Film Union. Foi assistente de Yoshiro Edamasa (1888~1944), diretor de um filme lendário chamado The Great Buddha Arrival (1934), possivelmente o primeiro filme japonês a mostrar uma criatura gigante e do qual não restou nenhuma cópia conhecida. De auxiliar de filmagens, uma espécie de "faz-tudo", passou a ser cameraman em tempo integral. Inovador, criativo e curioso, Tsuburaya começou a sugerir melhorias nos processos de filmagem e edição de imagens nos filmes onde trabalhava, tentando repetir ou aperfeiçoar inovações que ele acompanhava no cinema norte-americano. Era particularmente fascinado por King Kong, o clássico de 1933.
Eiji casou-se aos 29 anos com Masano Araki e o primeiro filho do casal foi o diretor Hajime Tsuburaya (1931~1973), que por sua vez seria pai do ator Hiroshi Tsuburaya (1964~2001), todos já falecidos.
Na década de 1930, começou a desenvolver experiências arrojadas, usando câmeras montadas em trilhos, iluminação especial, sobreposição de imagens, fumaça para criar atmosferas específicas e muitas outras inovações. Começou a utilizar filmagens com projeção frontal ou por trás, o que permitia interagir atores com cenas filmadas em separado, criando qualquer tipo de trucagem realista com imagens combinadas. Era um recurso mais prático do que o chroma-key e, bem usado, permitia boas imagens.
Maquetes detalhadas de navios, aviões, maquetes de cenários e cargas explosivas eram usadas com grande precisão, fazendo dele uma lenda entre os produtores japoneses.
Juntando-se ao time da Toho Films em 1936, foi ganhando cada vez mais prestígio entre os diretores e produtores. Na segunda metade da década de 1930, quando o Japão se preparava para a Segunda Guerra Mundial, Tsuburaya desenvolveu documentários de propaganda militar sob encomenda para o governo. Nesse período, ele trabalhou nos efeitos do controverso filme The Daughter of The Samurai/ The New Earth (1937), uma produção nipo-alemã impregnada de ideologias com as quais nunca se envolveu ou demonstrou simpatia. Os alemães, entretanto, ficaram impressionados com a qualidade e criatividade do trabalho de Tsuburaya.
Em 1940, dirigiu os efeitos de um grande épico chamado Kaigun Bakugeki-tai (ou “Esquadrão Bombardeiro Naval”), que atraiu grande atenção da imprensa. Vários outros filmes se seguiram, como duas adaptações da lenda do Macaco-Rei Saiyuki (famosa na Ásia e que inspirou vagamente a saga Dragon Ball) e Hawaii Marei Oki Kaisen (“Guerra marítima – Do Havaí à Malásia”, 1942), pelo qual foi premiado em seu país. No mesmo ano, o Japão entrou na guerra como parte do Eixo liderado pela Alemanha nazista e as atividades criativas e artísticas foram quase que totalmente interrompidas.
Com o fim da guerra e a ocupação do Japão em 1945, Tsuburaya retomou suas atividades, experimentando com diversos materiais e também com animação. Um de seus trabalhos na época foi o célebre logotipo da Toho, para onde voltou em 1952. As forças de ocupação americanas encontraram filmagens de Tsuburaya e, dado o realismo das batalhas navais que ele criou, foi chamado para explicar como conseguiu filmar aquele material, que inicialmente foi julgado como sendo de um documentário, não de uma obra ficcional.
Na Toho, Eiji Tsuburaya começou a trabalhar com o produtor Tomoyuki Tanaka (1910~1997) e, em 1954, seria um dos responsáveis pelo surgimento do monstro gigante Gojira, o mundialmente famoso Godzilla. Nessa obra, Tsuburaya também criou o design do monstro, além dos efeitos especiais.
Sem os recursos necessários para fazer monstros em stop-motion (animação de bonecos quadro-a-quadro, presente em filmes americanos da época), Tsuburaya optou por usar um ator numa fantasia de borracha.
Consta que o traje de Godzilla era muito pesado, e quando o dublê Haruo Nakajima (1929~2017) se queixou de que não conseguia se mover direito, Tsuburaya disse que isso acontecia porque ele pensava em se mover como um ser humano. Isso levou o duble a ensaiar arduamente até criar uma movimentação coerente para um ser gigante e pesado. As cenas de Godzilla caminhando sobre Tóquio e disparando suas chamas nucleares causaram grande impacto na época e virariam marca registrada dos “kaiju eiga” (ou “filmes de monstro”).
Sucesso de bilheteria no final de 1954, o filme foi dirigido por Ishiro Honda (1911~1993), amigo pessoal e depois assistente de direção do cultuado cineasta Akira Kurosawa (1910~1998). O filme rendeu outro prêmio técnico para Eiji Tsuburaya e garantiu várias continuações, além de incontáveis similares. Entre os monstros famosos que surgiram no rastro de Godzilla, vale destacar a mariposa gigante Mothra (1961), que também trazia a assinatura de Tsuburaya, Honda e Tanaka.
Em um crossover cinematográfico pioneiro, o trio desenvolveu o filme King Kong vs Godzilla (1962). Honda, Tsuburaya e Tanaka formavam o Trio de Ouro da Toho, responsável por grandes sucessos de bilheteria e tinham enorme prestígio. Mas o mestre dos efeitos especiais queria ir mais longe.
Surge a Tsuburaya Pro, um novo começo para o veterano mestre:
Em 1963, Tsuburaya fundou a Tsuburaya Tokugi Productions, sendo que "tokugi" era um termo antigo para designar os efeitos especiais. Mas isso criou problemas para ele na Toho, que achava que o nome implicava numa pretensa exclusividade de Tsuburaya sobre a produção de efeitos especiais. No fim, ele acabou deixando o nome apenas como Tsuburaya Productions, ou Tsuburaya Pro.
Com sua equipe, criou Ultra Q, a primeira série de TV a apresentar monstros semanalmente. A série, em preto-e-branco, estreou no começo de 1966 e tinha forte influência da série americana Além da Imaginação ("Twilight Zone", de 1959). No mesmo ano, viria o primeiro Ultraman, decretando uma nova era para a TV japonesa. Lidando com orçamentos modestos e prazos de produção apertados, a equipe se superava a cada episódio. Eiji Tsuburaya foi o editor de roteiros e supervisor geral da produção, aprovando cada cena e discutindo rumos e conceitos com a equipe do estúdio. História primeiro, merchandising depois. Vale destacar uma peculiaridade técnica bem explorada na época. Os raios de energia do herói, dos monstros e a das armas da Patrulha Científica possuíam cada um seu design gráfico característico. Pareciam faiscar de energia, ao contrário, por exemplo, dos raios que apareciam na série clássica de Star Trek (1966~68), que eram quase sempre feixes de luz reta. Poderia até ser cientificamente mais preciso, mas os cintilantes raios da Tsuburaya sem dúvida passavam mais sensação de poder. A empresa era uma das únicas a possuir uma optical printer, artefato que permitia complexas e eficazes trucagens de cena, com as animações feitas por Sadao Iizuka (1934~2023), que relatou muitas vezes como Tsuburaya era um diretor exigente, que o fez refazer várias cenas até ficarem de um jeito que ele achasse satisfatório.
Ultraman faria grande sucesso e, além de inspirar imitações e heróis similares, ainda incentivou que outras produtoras tentassem emplacar seus próprios super-heróis, o que a Toei Company conseguiu com êxito ao desenvolver o primeiro Kamen Rider (1971).
Em paralelo a Ultraman, o estúdio ainda produziria Booska, um monstrinho infantil que ganharia diversas versões e se tornaria um sucesso da produtora.
Em 1967, Ultraseven foi o mais ambicioso e arrojado projeto de ficção científica para TV já produzido até então. Com um tom mais sério e valores de produção incomparáveis na época, Ultraseven é até hoje a produção mais cultuada do estúdio entre os fãs de ficção científica mais hardcore, por suas histórias com diferentes níveis de leitura, com elementos políticos e psicológicos trabalhados de forma inteligente.
Católico em um país onde predominam budistas e xintoístas, Eiji Tsuburaya aprovou (ou incentivou, não se sabe) a utilização de um símbolo cristão no célebre episódio em que Ultraseven é crucificado pelos seus inimigos, os Aliens Gutts. O estúdio recorreria a esse recurso dramático diversas outras vezes, mas nunca praticando qualquer tipo de proselitismo. Tsuburaya se converteu um tempo após seu casamento, pois sua esposa era católica praticante.
Trabalhando nas três primeiras séries Ultra, Eiji Tsuburaya não foi exatamente o criador, mas sim o coordenador de criação e editor de histórias. Ele dava diretrizes técnicas, orientava o design e fomentava a criatividade de roteiristas que se tornariam renomados profissionais, como Tetsuo Kinjô (1938~76), Shozo Uehara (1937~2020) e Shinichi Ichikawa (1941~2011).
Além de um grande mestre na técnica e um visionário criativo, Tsuburaya também demonstrava grandeza em muitas decisões. Ele acolheu no estúdio Tetsuo Kinjô e Shozo Uehara, dois oriundos de Okinawa, arquipélago do extremo sul do Japão, que sofriam preconceito no resto do país, especialmente na metropolitana cidade de Tóquio. Grosso modo, esse preconceito surgiu devido ao fato de Okinawa ter sido uma nação independente no passado, com cultura e hábitos diferentes do resto do Japão. Além disso, Eiji Tsuburaya acolheu pelo menos dois outros cristãos em sua equipe: Uehara (católico) e Shinichi Ichikawa (protestante), que faziam parte de uma outra minoria dentro do Japão, a religiosa.
Críticas sociais e leituras políticas, sutis ou mais diretas em várias histórias, foram produzidas sob a supervisão de Tsuburaya, que se preocupava tanto com o conteúdo quanto com a qualidade técnica dos episódios que produzia. Acima de tudo, mensagens positivas com heróis que inspiravam as crianças a lutar contra o mal e proteger os mais fracos. E a equipe que conviveu com Tsuburaya se mostraria grata a ele pelo resto da vida. Produções de TV e cinema são sempre trabalhos coletivos, mas sem um ou mais produtores assumindo as rédeas, nenhuma produção consegue prosperar. Tsuburaya era reconhecidamente a grande força criativa por trás das primeiras séries, decidindo em aspectos visuais, conceituais, de produção, escolha de elenco, direção e, claro, nos efeitos especiais que seus discípulos diretos produziam.
Eiji Tsuburaya teve participação menor em Ultraseven, pois estava muito ocupado com seu trabalho na Toho, necessitando juntar dinheiro para investir no estúdio. Ao final de Seven, entrou em cena a série de mistério e terror Kaiki Daisakusen (ou "Operação Mistério", 1968), além da aventura Mighty Jack (1968), sobre a tripulação de um poderoso submarino voador. Eiji Tsuburaya buscava sempre coisas diferentes, e dificilmente teria aprovado o estabelecimento de uma franquia com muitas séries derivadas da mesma ideia.
Mesmo concentrando esforços na TV, mídia que ele considerava o veículo do futuro, Tsuburaya continuou trabalhando com cinema. Entre os filmes em que trabalhou na época, estão os de ficção científica A Fuga de King Kong (King Kong no Gyakushu, de 1967) e Latitude Zero (Ido-Zero Daisakusen, de 1969), ambos já exibidos no Brasil, e o épico de guerra Batalha no Mar do Japão (Nihonkai Daikaisen, de 1969), entre outros.
O legado de Eiji Tsuburaya:
Eiji Tsuburaya faleceu em 25 de janeiro de 1970, vítima de pneumonia, aos 69 anos. Após sua morte, o estúdio passou a ser dirigido integralmente por seus filhos Hajime e Noboru Tsuburaya (1935~1995). Sua primeira empreitada no comando do estúdio foi a série O Regresso de Ultraman (1971) que, a princípio, iria mostrar a volta do Ultraman original. Por questões de mercado, preferiram criar um novo personagem, mas mantiveram o título original, abrindo espaço para o estabelecimento da franquia Ultraman. Hajime Tsuburaya morreu em 1973 aos 42 anos, em uma época de grande produtividade para o estúdio, deixando a administração para seu irmão, o produtor Noboru Tsuburaya. Ele pouco fez de novo na década de 80, que teve filmes recheados de cenas reaproveitas, muitas coletâneas de melhores momentos e poucos projetos inéditos. Firmou parcerias com estúdios estrangeiros, gerando as séries Ultraman Great (Austrália, 1990) e Ultraman Powered (EUA, 1993), ambas sem grande brilho. Antes, em 1987, havia se associado à Hanna-Barbera para o longa animado Ultraman USA, outro projeto sem grande retorno. Mas se a década de 80 foi bastante apagada, a empresa ganhou muita força nos anos 1990, com momentos de grande brilho, como a sequência Ultraman Tiga (1996), Dyna (97) e Gaia (98). E apesar de ter trabalhado muito para manter a empresa viva, Noboru Tsuburaya não viveu para ver os esforços recompensados, tendo falecido em 1995, aos 55 anos de idade. Em seu lugar, assumiu Kazuo Tsuburaya, neto de Eiji.
Porém, a boa fase em termos de produções bem realizadas não se traduziu em êxito financeiro suficiente para manter a empresa economicamente viável. Durante a produção de Ultraman Mebius (2006), e em meio às comemorações pelos 40 anos das séries Ultra, os herdeiros de Eiji Tsuburaya se viram obrigados a vender o estúdio, o que se concretizaria em pouco tempo.
Pela primeira vez, a empresa deixou de ser administrada pelos herdeiros da família Tsuburaya, tendo sido comprada pela TYO Productions em 2007. Em 2009, a companhia transferiu grande parte das ações para a Bandai, gigante do ramo de entretenimento, que atualmente detém 49,9% da Tsuburaya, contra 50,1% da TYO. Kazuo Tsuburaya foi nomeado presidente honorário, um cargo de consideração, sem poder de decisão.
Com uma administração formada por pessoas que amam o legado do estúdio, a nova fase resgatou o prestígio da companhia e seus Ultras, com boas produções cinematográficas e muitos novos produtos. Não tem mais o peso de empresa inovadora, sobrevivendo graças ao material de qualidade desenvolvido no passado por talentosas mentes coordenadas por um grande pioneiro.
A partir de Ultraman Ginga (2013), o estúdio retomou a produção de séries de TV anuais e mantém uma produção consistente de filmes para cinema. Enquanto isso, longe dos negócios e levando uma vida modesta, o ex-produtor Hideaki Tsuburaya publicou um livro bastante amargo chamado Ultraman ga Naiteiru, ou "Ultraman Está Chorando", no qual relata o lado mais triste do empreendimento fundado por seu avô Eiji Tsuburaya, que sempre gastou mais do que podia para entregar produtos de qualidade, e como isso acarretou contínuas crises financeiras. Um relato de quem viu o legado da família ser recuperado por empresários que souberam colocar em posições de destaque gente que conhecia bem os personagens do estúdio.
Longe dos períodos de glória, mas entregando boas produções, a Tsuburaya mantém uma qualidade geral acima do que a concorrente Toei Company produz. Talvez Eiji Tsuburaya não concordasse com a repetição de ideias e situações na franquia Ultraman, mas certamente apreciaria a qualidade técnica que o estúdio tem apresentado em várias produções recentes.
Eiji Tsuburaya trabalhou em cerca de 250 filmes e diversos programas para TV, em uma carreira de mais de 50 anos. Sem dúvida, o mais importante nome da História do tokusatsu e um dos gênios de seu tempo.
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