Uma análise sobre os diferentes formatos narrativos em que séries em animê e tokusatsu são apresentadas.
Quem acompanha séries de TV japonesas está acostumado ao formato de histórias longas, com um começo e um final. Animês seriados são como novelas e isso explica parte de seu sucesso no Brasil, onde o povo é acostumado a esse tipo de narrativa.
Entre os fãs, a paixão por grandes arcos de história é tão grande que, quando aparece algum episódio em que a trama não avança, ele logo é taxado de "filler", ou uma mera "encheção de linguiça". Mas nem sempre foi assim.
Até a década de 1970, o formato que predominava na TV era o "omnibus", que se refere a uma série composta por histórias fechadas, geralmente independentes entre si. Isso após o episódio inicial, que apresenta personagens e situações principais. O termo omnibus vem do latim e significa literalmente "para todos", sendo usado para definir veículos de transporte público. No campo do entretenimento, o termo pode designar um filme que seja uma compilação de curtas, mas há um outro sentido, mais utilizado na cultura pop.
Apesar de muitas variantes aceitas em diferentes contextos, no Japão o termo omnibus é usado para definir uma série composta de episódios auto-contidos, com começo, meio e fim e que podem ser vistos por qualquer pessoa, sem a necessidade de ver a série inteira. Em histórias assim, autocontidas, tudo termina como havia começado, sem repercussões futuras.
No início da produção de séries de TV, seja em animê ou live-action, o referido formato reinava absoluto, sendo usado em praticamente todas as produções da década de 1960 e na maioria das obras na década seguinte. Speed Racer (1967), o primeiro grande sucesso internacional da animação japonesa, era totalmente desenvolvido dentro desse formato de roteiro. A existência de histórias em duas ou mais partes não alterava a estrutura geral da série.
A Princesa e o Cavaleiro (1967), clássico de Osamu Tezuka (1928~198), também seguia essa estrutura, mas houve momentos de grande impacto, como a morte redentora de dois vilões recorrentes (o bruxo Satan e sua esposa) em certa altura da série, até o final apoteótico em duas partes
Outro bom exemplo do padrão omnibus é o Ultraman original, de 1966, cujas histórias não tinham continuidade. O fio de cronologia era bem tênue (com exceção da máscara e traje, que foram sendo aperfeiçoados), se resumindo a aparições de novas versões de inimigos já vistos. Ao final de cada episódio, em geral ficava tudo como havia começado, deixando o ponto de partida para a história seguinte inalterado. Tanto foi assim que o último e fatídico episódio chegou sem aviso prévio.
Já em Ultra Seven (1967), o formato também era ominibus, mas o dramático final em duas partes criou uma tensão e um senso de conclusão épica que ajudaram a criar a atmosfera cult da série.
A série seguinte, O Regresso de Ultraman (1971), apesar do formato de histórias fechadas (com eventuais arcos em duas partes) vários aspectos foram sendo modificados, criando um senso de continuidade. A estreia de uma nova arma, o Ultra Bracelete, uma troca de capitão no GAM - Grupo de Ataque aos Monstros, a morte da namorada e do cunhado do protagonista foram momentos de virada na série. Os Ultras sempre foram uma linhagem baseada no formato omnibus, ainda que Ultraman Ace (1972) tivesse um inimigo fixo, o Yapool, e Ultraman Leo (1974) fosse uma progressão de tragédias afetando a vida do herói.
Na década de 1970, formatos intermediários foram sendo desenvolvidos. Havia um tema principal, uma grande ameaça a ser combatida, mas cada episódio poderia funcionar isoladamente. Porém, colocados em um contexto maior, ajudavam a contar uma grande saga, com pequenas alterações ou revelações sendo feitas aos poucos. E é comum até hoje, seja em qual formato for, que os episódios finais sejam interligados com ganchos dramáticos, conduzindo a narrativa ao clímax e levando a série a uma conclusão.
Uma série antiga que apostou no formato exclusivo de novela, com uma longa saga contada em capítulos foi o Yamato - Patrulha Estelar, em 1974. A audiência foi modesta e a série só vingaria e detonaria o fenômeno Anime Boom ao ser adaptada posteriormente para o cinema. Mas não é questão de dizer que o momento não era propício para abolir o formato omnibus.
O animê que concorreu diretamente com o Yamato e venceu na época foi Heidi - A Garota dos Alpes (1974), que até já foi exibida no Programa Silvio Santos no final da década de 1970, na TV Record. Heidi era realmente uma novela em desenho animado, inspirado em um famoso romance suíço sobre uma garota órfã e seus amigos. Seu formato se mostrou importante para fidelizar o público, que teria que assistir a cada episódio para entender a história, até o emocionante final.
O maior sucesso da animação japonesa no Brasil, Os Cavaleiros do Zodíaco (1986), seguia o formato novela, bem como Dragon Ball (1986), Yu Yu Hakushô e tantos outros. Arcos de histórias com dezenas de episódios se juntavam para compor uma grande saga.
Já outros sucessos consagrados tão diferentes entre si, como Jaspion (1985) e Sailor Moon (1992), a despeito de evoluções e mudanças marcantes no decorrer da trama, seguiam o formato misto, pendendo mais ao ominibus. Nesse formato misto, a cada episódio há tramas principais autocontidas, enquanto as subtramas avançam devagar, convergindo para uma apoteótica conclusão final. Nem sempre o limite entre os formatos de roteiro geral é bem claro e fica complicado rotular, mas é bastante claro quando colocamos séries dos anos 60 em comparação com as feitas dos anos 80 para a frente.
Séries aparentemente intermináveis como One Piece (desde 1997, com mais de 1.000 episódios e em andamento), seguem o formato novela, mas com grandes arcos de história que vão se sucedendo. Se fosse literatura escrita, One Piece seria considerado um romance, que é mais extenso que uma novela, que por sua vez é maior que um conto isolado.
Atualmente, quase toda nova série em animê é apresentada no formato novela. A tendência atual de séries mais curtas, com temporadas de 12 ou 25 episódios, consagrou o formato, a ponto do grande público repudiar episódios filler. Que podem ser extremamente interessantes, vale ressaltar.
Em termos de tokusatsu, apesar dos primeiros seriados terem seguido o formato ominibus, muitas produções foram fazendo o modo misto, como as franquias Super Sentai e Kamen Rider. Em cada um, desde o começo, é apresentado um grande inimigo que só será vencido no último episódio e cada aventura ou mesmo arco de dois ou três episódios teria uma trama auto-contida. Esse formato se consagrou e ditou os rumos das produções.
Após o ano 2000, a Toei Company começou a trabalhar com a franquia Kamen Rider evoluindo para grandes épicos em capítulos cada vez mais interligados. Foi uma transição gradual, e o formato mais novelesco prevaleceu, sendo hoje obrigatório.
Os Ultras, que ainda usam o formato misto de ominibus com novela, estão cada vez mais se aproximando do que é feito em animês e seriados Kamen Rider. Cada episódio lança novas perspectivas e acrescenta novos detalhes ou mistérios a uma grande trama que vai se desenrolando pouco a pouco, mesmo que haja o "monstro da semana" a ser vencido a cada episódio.
Com esse formato de grandes sagas, a figura do compositor da série, ou seja, quem faz o planejamento da trama como um todo, é fundamental, permitindo que diferentes roteiristas trabalhem em episódios soltos, mas que mantêm um senso de continuidade que caminha para uma conclusão.
Em termos de criatividade, ter que apresentar uma trama convincente que envolva o telespectador e seja resolvida de modo satisfatório em 20 e poucos minutos, é um grande desafio para qualquer roteirista. Grandes nomes do passado, como Shozo Uehara (1937~2020), Mamoru Sasaki (1936~2006) e Tetsuo Kinjô (1938~1976) se tornaram mestres nesse tipo de história autocontida.
No quesito desenvolvimento de personagens, o formato novela geralmente leva vantagem, pois as características de cada um vão sendo desvendadas ao longo das aventuras.
Toshiki Inoue, Yasuko Kobayashi e Gen Urobuchi são apenas alguns dos nomes que atraem fãs para qualquer obra que escrevam, por sua habilidade em tecer grandes narrativas.
Muitas vezes com reviravoltas marcantes, a imersão na história de uma grande saga é mais intensa, com o interesse aumentando a cada episódio. Claro que isso não é uma equação matemática, e o êxito vai sempre depender de bons roteiristas e bons diretores, como em qualquer obra.
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