Um caso envolvendo um dublador brasileiro e um antigo astro japonês coloca em pauta uma questão delicada sobre trabalho e vida pessoal.
O dublador e diretor de dublagem Glauco Marques (Zoro em One Piece) postou um vídeo há duas semanas contando sobre sua decepção ao conhecer o ex-ator Hikaru Kurosaki (também conhecido como Seiki Kurosaki), que viveu Jaspion em 1985 e atualmente tem uma escola de mergulho em Okinawa.
O encontro aconteceu em dezembro passado, durante sua visita a Okinawa, o paraíso tropical do Japão. Ligou para marcar aula de mergulho, não tinha vaga, e ainda assim foi lá tentar falar pessoalmente com o eterno Jaspion, sendo mal recebido. Se não viu o vídeo do dublador, assista primeiro, no fim do texto.
O vídeo dele narra sua frustração, mas gostaria de fazer uma correção sobre algo que ele diz bem no começo, ao explicar sobre a região: Okinawa não é uma ilha, e sim um pequeno arquipélago. Já foi um reino independente antes de ser anexado ao Japão. Não "conquistou independência" em momento algum, pois Okinawa era um reino independente e agora é território japonês. A questão das bases americanas é motivo de controvérsia até hoje, mas não é disso que iremos tratar agora.
Glauco Marques foi muito mal recebido e chegou a ser tratado com grosseria pelo ex-ator, que atualmente trabalha como instrutor de mergulho em seu próprio negócio em Okinawa. Kurosaki saiu da área brigado com a Toei Company , com a empresa de dublês JAC - Japan Action Club e é cheio de mágoas com a carreira artística. Teve uma vida dura e sempre difícil, e é um trabalhador dedicado ao ofício de atender os clientes de sua escola de mergulho. Que, é importante frisar, tem muito mais trabalho em épocas de alta temporada, como em períodos de férias e festas. Sempre fez questão de deixar claro que não quer falar sobre o passado e nem ser tratado como "Jaspion". O dublador brasileiro, um grande profissional, infelizmente agiu como um fã que teve sonhos de infância frustrados, por mais que diga que nem fazia tanta questão de conhecer o ator.
Sendo um profissional no pleno sentido da palavra, o artista deveria tentar entender o ponto de vista alheio, ao invés de expor o caso como fez. Claro que falta de educação se lamenta, mas se eu for expor os "podres" de todo mundo que eu conheci assim... Nem sempre é bom conhecer seus ídolos de perto, e é um erro alimentar expectativas sobre alguém, tanto quanto é um erro confundir ator com personagem.
Hikaru Kurosaki saiu da área cheio de mágoas (e isso é amplamente conhecido entre os fãs), não gosta de ser lembrado pelo Jaspion, não gosta de manter contato com fãs e teve seu espaço de trabalho invadido. Ele poderia ter sido mais cordial? Poderia, mas ninguém é obrigado a atender as expectativas do outro e realizar sonhos de fanboy, da mesma forma que ninguém tem culpa da vida dele ter seguido esse rumo. E um fã pode virar rapidamente um hater e prometer voltar a importunar esse senhor, só por pirraça, conforme o próprio Glauco Marques falou que iria fazer, ainda que de modo irônico. Claro que um comerciante, prestador de serviços ou dono de escola deveria ser mais gentil com as pessoas, porém a expectativa dos outros não nos pertence. Se Kurosaki ainda vivesse de sua imagem como ator, seria de bom tom atender todo e qualquer fã, desde que em condições razoáveis. Não foi o caso, pois ele já havia dito ao telefone que estava sem horário para agendar aulas, e ainda assim o cara foi lá para falar pessoalmente com o Kurosaki. Não estou justificando grosseria, mas a ação foi invasiva. Quando um japonês diz "não" é não mesmo, não adianta ir pedir um "jeitinho brasileiro".
Um tempo atrás, um organizador do Anime Friends anunciou que estava tentando negociar com o ex-ator sua vinda ao Brasil, e estava esperançoso. Acho que podem esperar deitados.
Toda minha solidariedade ao instrutor de mergulho Hikaru Kurosaki, que ocupa um lugar especial na memória afetiva de muita gente e lá deve ser deixado, tendo direito a seguir com sua vida da forma como bem entender.
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