Design que evoca gentileza em uma sociedade rígida e cheia de formalidades.
Literalmente, a palavra japonesa "kawaii" representa qualquer coisa fofa e é um adjetivo bastante usado na cultura japonesa. Pode ser usado para adjetivar uma criança, uma garota bonita ou até um gesto. No mundo do design, é um conceito presente de forma ostensiva em uma cultura bastante orientada visualmente e influenciou grande parte do mundo asiático, espalhando-se para o mundo todo como uma marca bem característica da cultura japonesa.
Talvez o maior ícone de fofura seja a gatinha conhecida como Hello Kitty, apresentada ao público japonês em 1974 estampando uma bolsa. Criação de Yuko Shimizu, é a personagem principal da Sanrio, que desenvolveu toda uma linha de bichinhos no entorno de sua criação maior. Hello Kitty estampa uma infinidade de produtos, já ganhou animações, quadrinhos e é a segunda marca de personagem mais valiosa de todos os tempos, perdendo apenas para Pokémon.
Presente na vida dos japoneses como praticamente nenhum outro personagem, Hello Kitty já foi colocada em campanhas onde se mistura a franquias como Gundam, Evangelion e até Godzilla.
Pesquisadores identificam a primeira definição do termo kawaii no romance Genji Monogatari (ou “A História de Genji”), da escritora Shikibu Murasaki (nascida entre os anos 970 e 978, falecida por volta de 1019), publicado no século XI. O termo surgiu como uma forma de atribuição de doçura feminina. Genji Monogatari conta a vida do filho bastardo de um imperador japonês e sua vida de conquistador. Seu visual é andrógino e o personagem é gentil e conquistador, tendo todas as mulheres que deseja a seus pés. Ele, no entanto, esconde uma paixão secreta pela esposa de seu pai.
A ousada história sobre a vida nada recatada da aristocracia japonesa acabou influenciando não só a estética gráfica, mas até o mundo da música, com muitos artistas até hoje; especialmente no mundo do J-Rock (o rock pesado japonês), adotando visual andrógino sem que sejam considerados homossexuais, muito pelo contrário.
A obra foi adaptada para o mangá pela autora Waki Yamato entre 1980 e 83, ganhando versões em animê em 1987 (filme) e 2009 (série em 11 capítulos). Mas se Genji representou um ponto de partida, a evolução do kawaii criou estéticas e visuais que em nada lembram as representações de delicadeza rica em detalhes da obra original e evoluiu para um grafismo de características bastante peculiares.
Nas artes gráficas, o desenhista Rune Naitô (1932~2007) se tornou popular desde a década de 1950, com suas ilustrações de formas arredondadas e delicadas que apareciam em revistas e na publicidade. Tornou-se conhecido também por ilustrar material adulto para publicações voltadas ao público gay, mas é referenciado até hoje principalmente por seu material em revistas femininas.
A arte é cartunesca e evoca o shojo mangá, ou mangá para garotas, mas mantém uma estilização e traços fortes que caracterizam a arte kawaii, que não trabalha a profundidade, e sim a força comunicativa de traços fortes e simples. O efeito que isso evoca é o de uma superficialidade que conforta, no sentido de não se apegar a detalhes e em profundidade, mas uma sensação de calorosa simplicidade acessível a todos.
Na década de 1970, surgiu a moda entre adolescentes de escrever manualmente de modo infantilizado, com acréscimo de pequenos desenhos (como os atuais emoticons). Era a estética da fofura invadindo a escrita e os ambientes escolares, o que acendeu um alerta na cabeça de pais e professores.
Com os manuscritos ficando herméticos e difíceis de entender, a escrita kawaii foi proibida em muitas escolas, mas isso começou a aparecer novamente em revistas na década de 1980. Porém, desta vez o estilo teve melhor aceitação, com floreados sendo apresentados sem prejudicar a fluência e clareza da escrita e da ortografia correta. Ainda, é na linguagem puramente visual que o kawaii invade cada aspecto da vida no Japão, especialmente na moda e na publicidade.
A chamada moda kawaii faz parte da moda urbana japonesa, e inclui desde roupas e acessórios de aspecto suave e elegante até conjuntos de cores berrantes e design espalhafatoso. Esse universo é gigantesco e cheio de subdivisões e variantes (o que não será abordado aqui).
Essa moda evoca um desejo de infantilização e é basicamente usada por jovens, mas nem sempre. Em uma análise psicológica rasa, isso pode refletir uma válvula de escape para a rigidez das relações hierárquicas na sociedade japonesa, ou mesmo um perigoso flerte com a pedofilia, mas isso pode ser abordado em outra ocasião. A intenção de trazer o assunto aqui no Sushi POP foi mostrar como o conceito de kawaii faz parte da cultura visual japonesa.
Mascotes fofos, de aspecto frágil, amigável e gentil - chamados de yuru character - são predominantes na publicidade japonesa, e praticamente toda empresa local já utilizou desse tipo de personagem, seja em sua identidade visual, seja em campanhas pontuais. Indo além, cada uma das 47 prefeituras de província do Japão possui uma mascote fofinha para representar sua cultura e tradições.
A importância dos mascotes - sempre com estética kawaii - é tão grande que existe no Japão um dia próprio para essa verdadeira paixão nacional. É o dia 11 de maio, o Dia das Mascotes Regionais.
Trazendo leveza e uma sensação de conforto a uma sociedade extremamente formal e de hierarquias rígidas, a estética kawaii é parte fundamental da cultura pop japonesa.
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