Um herói clássico, de uma das séries tokusatsu mais violentas e dramáticas já exibidas no Brasil.
Durante a grande invasão de seriados tokusatsu no Brasil durante o início da década de 1990, impulsionados por Jaspion e Changeman, a TV Manchete ocupava boa parte de sua programação exibindo esse tipo de produção.
Trazido ao Brasil pela distribuidora Top Tape em 1989, na mesma época em que Jiban e Jiraiya (séries do final dos anos 80), chegou um antigo seriado do início dos anos 70, o Lion Man.
A história se passava no Japão feudal, entre o século XVI e XVII (provavelmente) e contava as aventuras de um andarilho com o poder de se transformar em um homem-leão espadachim.
A Trama:
Depois que seu irmão Agenoshin foi morto pelos membros da família (na verdade, um "clã") de Mantor do Diabo, o guerreiro errante Dan Shimaru, de 21 anos, percorre o Japão antigo em busca de vingança. Com a misteriosa energia contida em um jato rústico que leva nas costas, o jovem se transforma em Lion Man.
Além da força, resistência e agilidade ampliadas, Lion Man ainda tem um golpe mortal, o Lion Furacão uma descarga de energia da espada que faz o inimigo agonizante explodir.
Em suas andanças, conhece a corajosa Shinobu (com 16 anos) e seu irmão caçula Sankichi (7 anos), que viajam pelo país em uma carroça, procurando por seu pai. Eles são salvos e ajudam o herói em diversas ocasiões e acabam acompanhando-o na maior parte do tempo.
Shimaru também conhece outros guerreiros como ele: O arrogante Jaguar (inicialmente um rival) e o intrépido e provocador Joe Tiger, sendo que todos os três são espadachins do tipo ronin, ou seja, samurais errantes, sem um mestre ou senhor a quem servir.
O objetivo do clã dos monstros de Mantor era unificar e dominar o Japão, derrubando o governo. Seu exército obedecia ao comandante Agdar, que por sua vez era um servo da sinistra entidade denominada Mantor do Diabo, que tinha a forma de uma gigantesca face rochosa dentro de uma caverna subterrânea.
A Repercussão:
Um seriado de uma época de efervescência do tokusatsu no Japão, Lion Man foi prejudicado no Brasil por ter sido exibido ao lado de aventuras bem mais modernas e cheias de efeitos reluzentes e pirotécnicos. A defasagem de produção (pobre, mesmo para a época) gerou muito preconceito contra a série, o que fez passar batido pra muita gente o enredo sério e dramático. No Japão, Lion Man se inseria perfeitamente no estilo "Jidai Geki" (ou "drama de época"), um tipo de série ou filme ambientado no Japão antigo, mostrando principalmente a era dos samurais e o Período Feudal.
Lion Man era o tipo de seriado que adultos e crianças acima de 10 anos adoravam dizer "que ridículo!", por conta do visual do herói, que parecia um samurai-leão de pelúcia, nada imponente ou que pudesse ser levado a sério quando foi exibido no Brasil.
Além da exibição na TV Manchete, Lion Man teve algumas aventuras lançadas em fitas VHS pela Top Tape Vídeo. Um disco com as músicas em português também foi lançado, mas o personagem não emplacou merchandising como os demais exibidos naquela época.
Vários nomes foram alterados para a versão brasileira, incluindo o protagonista, Shishimaru Dan ("Dan" era seu sobrenome), sendo que "shishi" é "leão" e "maru" (literalmente, "círculo") era um complemento usado para compor nomes masculinos.
A geração acostumada aos shows acrobáticos e pirotécnicos das séries da Toei dos anos 80 não perdoava e os mais velhos gostavam de rir do personagem.
Acontece que Lion Man tinha grandes qualidades narrativas e devia ser visto no contexto, como um herói de épocas passadas. Os Monstros Humanos e os Ninjas Rastejantes, a despeito da aparência tosca, não tinham nada de inofensivo, promovendo grandes matanças por onde passavam. Se você entrava na história, podia notar facilmente que aquele era um mundo violento, cheio de miséria, triste e sombrio.
Sangue e Valores:
Entre os momentos antológicos da saga de Lion Man, pode-se citar a chocante morte de Jaguar (ep. 11), mostrada numa história pesada e dramática. Inicialmente um lutador inconsequente que se aliava a Mantor, Hyoba (o Jaguar) decide enfrentar os monstros após ver uma mulher chorando sobre o cadáver de um menino que tinha o mesmo nome dele e que havia sido vítima dos Rastejantes. Tendo consciência do mal causado por Mantor, Jaguar resolve lutar pela justiça, mas seu impulso heroico o leva a um trágico fim.
O mesmo episódio mostra Shimaru em crise porque seu capacete protetor foi danificado, deixando-o inseguro. Isso lhe valeu xingamentos por parte do recém-chegado Joe Tiger, outro guerreiro capaz de se transformar num super-humano de aparência felina. Em diversas ocasiões, o guerreiro aparece para ajudar Lion Man, sem grande explicações.
Com seu espírito guerreiro restaurado, Lion Man retira o capacete, revelando pela primeira vez sua longa juba e parte para vingar a morte de jaguar.
Em outra passagem marcante, Shimaru critica o senso de honra de um guerreiro e diz não aceitar a "morte honrosa" defendida por seus contemporâneos. Ele se desespera quando um jovem guerreiro se sacrifica para enfrentar um monstro por vingança.
Shimaru queria impedir o jovem e lutar em seu lugar, visto que o garoto não tinha chance alguma. Mas o herói falha, e o rapaz morre lutando pela honra de seu clã. O espadachim Lion Man era um ardoroso defensor da vida humana, o que contrastava com o violento mundo dos demônios, samurais e ninjas em que ele estava inserido.
O comportamento de Shimaru podia ser facilmente associado ao dos japoneses que haviam sido influenciados pelo Cristianismo, que lá chegou perto da metade do séc. XVI. Sua filosofia coloca a vida como o valor mais alto de todos, condenando o ato de "morrer pela honra" e o suicídio. Porém, não há referências a algum traço de religiosidade no personagem além de algumas atitudes demonstradas.
Shimaru surpreendia e não hesitava em ir contra os ideais comuns aos guerreiros de sua época. Na ficção de suas aventuras e perante o grande público, Lion Man foi um herói um tanto incompreendido.
O Antecessor, o Sucessor e o Legado:
Após várias reprises na TV Manchete, alguns episódios da série do Lion Man original (chamado entre nós de "Lion Man Branco" pra facilitar) foram exibidos. No enredo, três irmãos lutam contra o Diabo Gozu e seus guerreiros monstros. Ao lado de Shimaru, a garota Saori e o pequeno Gosuke, todos ninjas habilidosos. Seu visual foi inspirado no kabuki, o tradicional teatro japonês embora, talvez, também tenha tido influência do mangá e animê de Kimba - O Leão Branco, criação de Osamu Tezuka. Esse primeiro herói foi vivido pelo mesmo ator, o excelente Tetsuya Ushio e o personagem até aparece transformado para salvar seu sucessor no episódio nove, enquanto este estava desacordado. A ligação entre eles nunca foi explicada na série, bem como a ligação entre Joe Tiger (no original, Joe Tiger Jr.) e o antigo rival do Lion Man original. O Lion Man branco estreou no Japão em abril de 1972 e teve 54 episódios. Seu título era Kaiketsu Lion Maru ("Heroico Lion Maru") e o enredo se passa no final do século XVI.
A lenda do guerreiro leão foi retomada em uma série de 2006, que apresentou uma versão contemporânea de Lion Man. Lion Man G foi imaginada para adultos, tem situações maliciosas, violência, humor chulo e apresenta como reencarnação do primeiro Lion Man um covarde e desastrado gigolô que trabalha em uma zona de meretrício. Obviamente o personagem evolui e se torna heroico, além de aparecer também uma nova encarnação de Joe Tiger. A série teve apenas 13 episódios, uma contagem comum nas séries tokusatsu para público adulto e exibição noturna. Até hoje, a versão mais celebrada e cultuada de Lion Maru no Japão é a original de 1972, mas para o público brasileiro, o segundo Lion Man é o mais lembrado.
Lion Man foi uma das várias criações de Souji Ushio, pseudônimo de Tomio Sagisu (1921~2004), um gênio versátil que também fez mangá, animê, dirigia efeitos especiais e fundou seu próprio estúdio de séries tokusatsu, a P-Productions, com a qual produziu séries como Vingadores do Espaço (em 1966) e Spectreman (1971), entre outras.
A série teve boa repercussão e chegou a ganhar histórias curtas em mangá em diferentes revistas da época, por autores variados, com destaque para a versão do renomado Daiji Kazumine (1935~2020), que produziu também adaptações de Spectreman e de alguns heróis da franquia Ultra.
Com um estúdio modesto, sem a tecnologia da Tsuburaya Productions, ou a estrutura da Toei Company, Tomio Sagisu investia em séries com histórias dramáticas, fortes, quebrando as barreiras do público infantil. O resultado foram histórias que poderiam ser melhor entendidas e apreciadas quando as crianças que as viam originalmente estivessem mais crescidas.
Lion Man deve ser visto com a perspectiva de um drama de época com ação e violência, um produto audiovisual de um tempo de muita criatividade e experimentação.
Leia também: Hagakure - O Livro do Samurai
::: FICHA TÉCNICA :::
LION MAN Título original: Fuun Lion Maru ~ 風雲ライオン丸 ("Storm Cloud Lion Maru") Estreia no Japão: 14/ 04/ 1973 (TV Fuji) Número de episódios: 25
EQUIPE DE PRODUÇÃO:
Criação e planejamento: Souji Ushio (aka Tomio Sagisu) e Takaharu Bessho (TV Fuji)
Roteiro: Toshiaki Matsushima, Tomio Shinohara (a dupla Shigeru Shinohara e Tomio Sagisu), Haruya Yamazaki e Kazuo Takagiwa
Trilha sonora: Hiroshi Tsutsui
Direção: Koichi Ishiguro, Hiroyoshi Tezeni, Koji Otsuka e Yoshitaka Matsumoto
Realização: P-Production
Emissora no Brasil: TV Manchete Versão brasileira: Álamo ELENCO:
Dan Shimaru [Shishimaru Dan] / Lion Man [Lion Maru] (voz): Tetsuya Ushio
Shinobu: Ryoko Miyano Sankichi: Tsunehiro Arai Hyoba Kurokage / Jaguar [Black Jaguar] (voz): Masaki Hayasaki (eps. 2 a 4, 6, 10 e 11) Jonosuke Tora / Joe Tiger Jr [Tiger Joe Junior]: Shingo Fukushima (eps. 11, 13 a 16, 21 e 25) Nijinosuke Nanairo: Naoyuki Sugano (eps. 17 a 20, 22 e 24) Agdar (voz): Toru Ohira (ep. 1) e Eisuke Oda (eps. 2 a 23) Narrador / Monstros Humanos (voz): Masaaki Okabe
Lion Man (suit actor): Kanehiro Nomiyama
Joe Tiger (suit actor): Kenpachiro Satsuma
Dublês e suit actors: Yuasa Productions
::: VÍDEOS SELECIONADOS :::
1) "Yuke tomo yo, Lion Maru yo" ~ 行け友よ ライオン丸よ("Avante, amigo Lion Man")
- Tema de abertura original
Letra: Shinobu Nakamura / Melodia e arranjo: Hiroshi Tsutsui Intérpretes: George Hama e Blue Angels
2) "Shinobu no Kazoe Utá" ~ 志乃の数え唄 ("A canção da contagem de Shinobu")
- Música incidental Letra: Chinatsu Nakayama / Melodia: Norihiko Hashida / Arranjo: Nozomi Aoki Intérprete: Ryoko Miyano
Não foi possível incorporar o vídeo da canção. Assista no YouTube
3) Especial sobre o Lion Man Branco:
- Confira aqui o vídeo sobre o Lion Man original no Canal Túnel do Tempo TV:
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