Um esquecido título da primeira leva de mangás publicados no Brasil.
Na segunda metade da década de 1980, os quadrinhos viveram um grande momento nas vendas e um período de grande destaque na mídia brasileira. Era comum ver matérias sobre HQs em cadernos de variedades dos grandes jornais, ao mesmo tempo em que proliferavam revistas com histórias americanas, brasileiras, europeias e até japonesas nas bancas.
Nessa época, o primeiro mangá publicado no Brasil foi o Lobo Solitário (Ed. Cedibra), em 1988 e, pouco tempo depois, veio Akira (Ed. Globo, atualmente republicado pela JBC). Aos poucos os quadrinhos japoneses foram ganhando mais adeptos entre os leitores brasileiros até que, em 1992, a Editora Abril resolveu investir no setor, publicando dois títulos: A Lenda de Kamui (uma densa aventura sobre um ninja renegado) e Mai – A Garota Sensitiva.
Com personagens desconhecidos pelos brasileiros, as duas séries acabaram não vendendo o que se esperava e a linha de mangás da Abril foi cancelada, bem como iniciativas similares em outras editoras.
Mai – A Garota Sensitiva conta a história da adolescente Mai Kuju, uma adolescente meiga e tranquila que começa a manifestar incríveis poderes telecinéticos, sendo capaz de mover objetos à distância. E conforme vai crescendo, vai demonstrando poderes cada vez maiores e potencialmente destrutivos.
Ela acaba sendo descoberta pela organização Aliança da Sabedoria, um grupo secreto que planeja criar uma nova raça de paranormais. Prevendo uma inevitável guerra nuclear entre os EUA e a Rússia, eles desenvolvem em segredo jovens com poderes mentais a fim de que eles sejam os primeiros de uma nova raça a governar a Terra quando a poeira atômica baixar.
Seu líder, o sinistro Sr. Ryu, é quem comanda as ações da Aliança, protegido em sua base nos Alpes suíços. Ele ordena a captura de Mai a qualquer custo e mobiliza todo seu poderio para conseguir isso. A menina, por sua vez, conta com a proteção de seu pai, Shuichi, um habilidoso lutador disposto a defendê-la a todo custo. Quando eles se separam, Mai é encontrada pelo estudante universitário Takeru “Intetsu” Haguro, que a acolhe e protege com a ajuda de seus amigos, mesmo correndo sério risco.
Outro que surge atrás da paranormal é o milionário Senzo Kaieda, da Agência Kaieda de Investigações. Mas o ancião logo decide proteger a moça para que ela defenda o Japão contra a Aliança. Para tentar recrutar Mai, ou assassiná-la para que não interfira, a Aliança envia outros adolescentes poderosos que já foram aliciados para sua causa. Entre eles está a alemã Turm Garten, cujo poder e crueldade a tornam muito temida. O confronto entre elas é apenas um aperitivo para uma grande batalha paranormal nos céus de Tóquio, que ocorre no clímax da série.
Com roteiro de Kazuya Kudo e arte do reverenciado Ryoichi Ikegami, Mai é uma história que começa com situações de cotidiano e vai evoluindo para uma grandiosa aventura cheia de reviravoltas e muita ação. Em meio a tudo isso, destaca-se a coragem da jovem de 14 anos que vai se deparando com grandes responsabilidades e ainda descobre o amor de sua vida no valente Intetsu.
O enredo é simples e sem grandes pretensões, mas é valorizado pela arte de Ikegami, que estava em grande fase. Um pouco diferente do que costuma fazer em seus trabalhos mais adultos, como Crying Freeman e Sancturay, Ikegami fez um traço mais leve, com menos sombras do que o usual e isso deu espaço para um traçado elegante de pincel na arte-final. Graficamente, é um de seus melhores trabalhos, onde imprimiu leveza até mesmo nas cenas - que hoje seriam polêmicas - que traziam a nudez da personagem central. A saga de Mai foi publicada originalmente na revista semanal japonesa Shonen Sunday (Ed. Shogakukan) em 1985, gerando seis volumes encadernados. A versão brasileira foi similar à norte-americana, publicada em 1987 pela Viz/ Eclipse Comics e teve menos páginas por edição em relação ao original japonês, gerando oito volumes.
Tendo alcançado um sucesso muito maior nos EUA do que no Japão, Mai chegou a ter um projeto de versão em live-action anunciado pelo aclamado diretor Tim Burton. Porém, a ideia nunca chegou a ser desenvolvida, sendo que a única informação divulgada na época é a de que Mai The Psychic Girl seria um filme musical (fato que causaria alergia neste que vos escreve).
Mai, como todos os mangás da primeira leva de publicações do gênero no Brasil, tinha a ordem de leitura ocidentalizada. As páginas eram invertidas como em um espelho, para que a leitura fosse feita da esquerda para a direita. Se, por um lado, isso facilitou a aceitação e difusão do mangá naquele momento, também tornava os personagens destros em canhotos e causava deformações na arte original. As onomatopeias, tão importantes nos trabalhos japoneses, eram redesenhadas nos EUA e tudo isso era feito antes do material chegar por aqui. No Japão, apesar da série ter tido uma duração razoável (foram 53 episódios semanais, o que equivale a praticamente um ano) na Shonen Sunday, não ganhou nenhuma versão em animê. Verdade seja dita, muito de seu sucesso no ocidente se deveu ao ineditismo e à repercussão da primeira grande onda de adaptações de mangás para o inglês. Mas, para os fãs brasileiros, esse foi um dos títulos visualmente mais bonitos que chegaram às bancas naquela fase ainda experimental - e de curta duração - da implantação da cultura do mangá no Brasil.
MAI - A Garota Sensitiva Título internacional: Mai The Psychic Girl Título original: 舞 ~ MAI Roteiro: Kazuya Kudo
Arte: Ryoichi Ikegami
Formato: 15,5 x 21 cm, com 148 páginas Total: 8 volumes Lançamento no Brasil: Editora Abril (1992) Classificação indicativa (sugerida): 16 anos
- Texto originalmente publicado na revista Henshin (JBC, 2001), devidamente revisado e melhorado para publicação no Sushi POP.
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