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Ale Nagado

Medo de Spoiler!

O spoiler é um destruidor de emoções ou um tempero a mais?

CDZ: Matéria com revelações sobre o final da série clássica rendeu até capa especial, que abria como pôster.

De alguns anos para cá, um termo tem se tornado algo tão demonizado e maligno que todos evitam o que ele representa. Nada de supostas fake news, nada de imprecisas definições de "discurso de ódio", nada de fobias atribuídas a preconceito ou doenças. A palavra que causa medo, desfaz amizades, provoca brigas, xingamentos em redes sociais (e até ao vivo) e causa horror em muita gente atende pelo nome de SPOILER.


Originário do inglês, o termo "spoiler", quando usado na cultura pop, significa a revelação antecipada de informações que o público (ou alguém específico) ainda não tomou conhecimento sobre uma obra. No Japão, o termo para isso é "netabarê", e normalmente é tão temido lá quanto no ocidente. Em resenhas ou fóruns de discussão japoneses, o aviso "netabarê chuui" é o equivalente local do famoso "spoiler alert".


Dar um spoiler, ou seja, revelar informações relevantes sobre um personagem ou conteúdo de uma mídia - seja filme, livro, série, animação - é algo visto quase como um crime.


Do outro lado, artistas, produtores, roteiristas e diretores fazem acordos para ocultar do público informações importantes e não frustrar a emoção do público. Jornalistas e críticos se misturam a assessorias de marketing e concordam em só liberar certas informações no dia certo, garantindo assim o recebimento de presentes e acesso a mais informações privilegiadas (desde que mantenham segredo e protejam os interesses do produtor). Estragar a emoção do público é algo não apenas a ser evitado, mas temido e combatido com força por fãs e produtores. Mas, nem sempre foi assim.

A Herói trazia muitos spoilers, e os fãs pediam mais!

A partir do final de 1994, com o advento da revista HERÓI e o surgimento da chamada imprensa especializada em cultura pop, entregar informações antecipadas era uma prática relativamente comum e que impulsionava vendas. Não era muito diferente do que faziam as revistas semanais sobre novelas, que vendiam à base de dar spoilers sobre os capítulos que ainda seriam exibidos.


Para os que sabem o fenômeno que foi a revista, na cola da febre dos Cavaleiros do Zodíaco, havia uma ansiedade enorme em boa parte dos fãs. Não eram poucos os que ligavam para a redação ou que mandavam cartas querendo saber o que ainda iria acontecer nos próximos episódios.


Na época, uma revista concorrente até se posicionou dizendo que lá não ficavam contando os próximos acontecimentos para não estragar a diversão de ninguém. Na redação, a resposta do jornalista Marcelo Del Greco na época foi genial: "A Herói conta, por que a Herói SABE!". E muita gente realmente gosta de saber sobre acontecimentos relevantes que vão se desenrolar em sua série favorita. Eu mesmo nunca liguei para spoilers e nem tinha consciência de que isso poderia irritar alguns. E é claro que comentar o final de uma obra antiga é bem diferente de fazer isso com uma obra inédita, mas não para os mais sensíveis a informações sobre finais ou momentos cruciais de uma série.


Durante minha produção para a Herói, escrevi matérias sobre muitas séries - especialmente sobre tokusatsu - que nunca foram exibidas no Brasil, e acabei desenvolvendo uma "fórmula" para esses textos. Primeiro, eu apresentava a situação da série, falando sobre os heróis e qual a missão que deveriam cumprir. Depois, descrevia as situações principais e comentava elementos relevantes. Na mesma matéria, dedicava alguns parágrafos para descrever o final, mesmo que envolvesse a morte de algum personagem importante. Isso, mais dados sobre bastidores e fichas da produção e elenco, marcou muitas matérias, que tinham normalmente entre quatro e seis páginas. Ninguém nunca me xingou por isso, até hoje.


Caso emblemático foi o da matéria sobre a cultuada equipe da franquia Super Sentai, o esquadrão Jetman, publicada na edição 26 da Herói, que entregou o destino fatal do mais carismático herói da equipe, o que só atiçou ainda mais a curiosidade dos fãs de tokusatsu.


Até catálogos de brinquedos, feitos com antecedência em relação à exibição de um filme ou programa, já entregaram muitas revelação sobre enredos e personagens. Revistas estrangeiras, então, nunca ligaram muito para isso, especialmente no Japão. Mesmo no Brasil, revistas sobre novelas sempre viveram de contar os próximos capítulos.

Jetman: Spoiler não impediu que os fãs de super-heróis japoneses procurassem ver a série, mesmo por meios alternativos.

Existem pessoas que consideram o spoiler como um elemento a dar mais emoção e a criar mais expectativa, não para saber o quê vai acontecer, mas como isso vai ser narrado. Pode não parecer, mas esses fãs mais desencanados existem, mas será o caso de representarem uma "maioria silenciosa"?


Vivemos em uma era onde existem os vídeos de "react" (tão naturais e espontâneos quanto um sorriso em um rosto que passou por harmonização facial), em que uma pessoa se filma ou deixa filmar para mostrar sua reação emocionada ao ver uma cena marcante em um filme, série ou animação. Especialmente em nossa era, demonstrar emoção em público é considerado uma virtude, e as pessoas valorizam quem chora no vídeo. [Nota: Há um livro que fala sobre os males de uma sociedade movida a sentimentalismo. É o livro Podres de Mimados (É Realizações Editora), do escritor britânico Theodore Dalrymple.]

Atualmente, a parcela de pessoas que odeiam spoiler do fundo da alma é a grande maioria, ou ao menos o grupo mais barulhento em redes sociais. Emocionar-se além do mero entretenimento com um animê, um filme ou série passou a ser parte fundamental da própria experiência humana, e a frustração de não viver isso plenamente por saber o que vai acontecer se tornou algo insuportável.

Não cabe aqui divagar sobre a falta de propósito (ou não) na vida de alguém que realmente se enfurece ao extremo por um motivo tão banal, a ponto de romper amizades e brigar com alguém que deu spoiler, ou ainda se sentir frustrado e deprimido, mas fica aqui o registro. Nunca liguei muito para isso, mas aqui no Sushi POP, adotei a prática de não dar spoilers, especialmente em resenhas ou reviews, até para não criar atritos desnecessários.

Reconheço que são outros tempos, mas desde sempre, ao lidar com uma obra inédita e acessível (o que não ocorria nos anos 90), sempre evitei revelar finais, só fazendo isso com séries já encerradas e que eu imaginava que dificilmente chegariam ao Brasil. E muitas não chegaram mesmo, ao menos por vias oficiais. E aquelas matérias recheadas de revelações sobre finais ajudaram a despertar a curiosidade em muitos leitores.

Odiado e temido por muitos, o spoiler já foi parte fundamental da imprensa ligada à cultura pop. Talvez a situação atual mude no futuro, mas a velocidade da informação na era digital sempre será um problema para quem tem pavor de saber o que vai acontecer em alguma obra de entretenimento. Aos que são mais visceralmente contra revelações de enredo, um consolo: Geralmente, a vida real não te dá spoiler.




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